Publicado em Segunda, 29 de outubro de 2012
A nutricionista Gláucia Hubner, especialista em Nutrição Clínica,
fala sobre os cuidados e dá dicas para quem deseja seguir uma alimentação vegetariana
Cristiane Mendonça – redacao@revistaecologico.com.br
Redação: Como um vegetariano deve substituir a vitamina B12 e o ferro encontrados na
carne?
Gláucia: A vitamina B12 está presente, em maior quantidade, nos alimentos de origem animal.
Porém, no ovo e produtos lácteos tem pouco aproveitamento pelo organismo. Por isso é tão difícil mantê-la dentro dos parâmetros com alimentação sem consumo de carne. Alguns vegetais tem uma quantidade mais expressiva, em especial a alga Chlorella. Mas, a introdução dela precisa ser avaliada previamente pois, nem todos as pessoas, costumam ter boa tolerância.
Gestantes, pessoas que fazem uso crônico de alguma medicação ou em quimioterapia, dentre outros casos tem o consumo da Chlorella contra indicado. Levando-se em conta que vitamina B12 é essencial para inúmeras funções no organismo, deve ser feito um acompanhamento por exame de sangue. Deficiência dessa vitamina poderá causar alteração na multiplicação das células, problemas neurológicos, alteração da coagulação do sangue, doenças cardiovasculares, alterações imunológicas. Os sintomas mais comuns da deficiência são: cansaço, depressão, confusão mental, baixa coagulação sanguínea, perda de memória, perda do apetite, náusea, vômitos, fácil aparecimento de manchas arroxeadas na pele, algumas irregularidades na boca. De acordo com a nutrição funcional, o ideal é que a vitamina B12 esteja em, pelo menos, 500 pg/mL no sangue. Uma vez que não se consiga com a alimentação, é necessária a suplementação e avaliada, também, a necessidade de demais vitaminas do complexo B e minerais, essenciais ao metabolismo. Excesso de vitamina B12 pode causar acne. Daí a necessidade de se avaliar individualmente a dose necessária a cada indivíduo isoladamente. É preciso levar em contar que cada pessoa é única e que essa necessidade pode variar de um indivíduo para outro.
Já o ferro, é fundamental que se acompanhe não somente os parâmetros do hemograma mas também a reserva de ferro, chamada ferritina, o
transporte dele pelo organismo, que é a transferrina, dentre outros elementos que precisam ser avaliados.
Alimentos vegetais costumam apresentar baixa oferta de ferro.
Existem manobras na alimentação que favorecem tanto melhorar quanto piorar o aproveitamento desse ferro. A suplementação, quando necessária,
precisa ser bem avaliada e conduzida pois excesso de ferro pode gerar câncer. Dentre as funções do ferro estão o transporte de oxigênio para todas
as células do nosso corpo, além de ser fundamental para o bom funcionamento do sistema imume (nossa defesa natural), desintoxicação hepática, produção de neurotransmissores cerebrais (serotonina, dopamina), produção de colágeno e elastina (responsáveis pela firmeza e sustentação da pele).
Pacientes em hemodiálise, gestantes, atletas, mulheres na fase de menopausa tem requerimento de ferro diferenciados e cada caso deverá ser avaliado individualmente. Dentre os sintomas de deficiência de ferro estão: anemia, fraqueza, unhas frágeis, queda de cabelo, pele pálida, dores de cabeça, síndrome das pernas cansadas, redução do apetite, intestino preso, inchaço das pernas e tornozelos, aumento da susceptibilidade a infecções.
Os sintomas, tanto de deficiência de B12 quanto de ferro, sempre deverão ser avaliados por um profissional habilitado.
Redação: Quais alimentos substituem a carne sem perda nutricional para o vegetariano?
Gláucia: Proteínas são encontradas com facilidade em inúmeros alimentos, comumente consumidos pela população. O que precisa ser levado em
conta é também a qualidade dessa proteína. Não basta ingerir uma quantidade adequada, se a qualidade da proteína não é boa. Muitas pessoas
acreditam que somente substituir carne por soja já é suficiente e, na prática, percebemos que não é. Até porque o consumo exagerado de soja tem implicações negativas para o organismo e, grande parte da soja está transgênica, ou seja, com muitas alterações em sua composição. É necessário um cuidado maior ainda com a oferta frequente de leite de soja a crianças pois pode favorecer a menarca (primeira menstruação) precocemente nas meninas e deixar os meninos com características femininas (cintura, mamas, etc). Isso porque a soja contém a isoflavona, que tem uma semelhança bem grande ao estrógeno, que é um hormônio feminino, muito utilizado em pílulas anticoncepcionais. Outra consideração em relação à soja é que, em mulheres susceptíveis a câncer de mama, ela também pode favorecer o aparecimento ou aumento dos tumores, caso eles sejam do tipo que se alimenta de estrógeno. Daí o cuidado redobrado em se utilizar a soja em fase de pós menopausa, quando a produção de estrógeno começa a declinar e muitas mulheres começam a buscar na soja essa “reposição” hormonal. Hoje temos formas naturais e fitoterápicas de controlar os sintomas da menopausa, sem a necessidade de isoflavona.
As formas de consumo de soja mais recomendadas são o tofu e o missô. Molho shoyo isento de glutamato monossódico também poderá ser
consumido, tomando cuidado com a quantidade pois muitos são ricos em sódio e podem elevar a pressão arterial.
A soja hoje é considerada um alimento de alta alergenicidade.
A soja pertence ao grupo das leguminosas, e pode ser substituída com facilidade pelos demais alimentos do mesmo grupo e isentos de isoflavona,
tais como o feijão, lentilha, grão de bico e ervilha.
O consumo de proteína deve corresponder de 10 a 15% do que for consumido. A alimentação do brasileiro, de maneira geral, costuma extrapolar essa quantidade, não só pelo consumo de carne por parte de muitas pessoas, mas pelo consumo exagerado de leite e pela própria combinação de arroz e feijão.
Proteínas vegetais são encontradas em alimentos integrais: arroz (se for integral, melhor ainda) aveia, linhaça, chia, gergelim, quinoa em flocos,
amaranto, semente de girassol, semente de abóbora, feijão, ervilha, lentilha, grão de bico, soja (com as devidas ressalvas), castanhas, coentro
desidratado, nozes, dentre outros. É necessária uma boa combinação desses alimentos, evitando-se o consumo isolado de um ou outro.
Redação: Caso um vegetariano não faça as substituições alimentares adequadas, quais problemas de saúde ele terá?
Gláucia: A deficiência de proteínas, de uma maneira geral, altera todo o mecanismo de renovação celular do organismo. Quem tem uma ingestão
insuficiente ou errada, comumente apresenta queda de cabelos, unhas frágeis. Em crianças, observamos déficit de crescimento, dificuldade de
aprendizado, raciocínio mais demorado. Poderão ocorrer as anemias ferropriva e megaloblástica, por deficiência de ferro e vitamina B12,
respectivamente e vários dos sintomas já descritos anteriormente.
Redação: Na gravidez é muito importante o consumo de certos nutrientes presentes na carne. Como são feitas essas substituições?
Gláucia: A gestação é um período específico em que as necessidades são diferentes e nem sempre é possível suprir a carência de todos os nutrientes
somente com a alimentação tradicional, independente do consumo ou não de carne. Primeiramente é feito um balanceamento da alimentação com
frutas, verduras, legumes, cereais integrais, proteínas vegetais, carboidratos de baixo índice glicêmico, fibras. A gestante precisa de um cuidado
redobrado não só com a glicose sanguínea, mas com a quantidade de insulina circulante no corpo. Gestantes com glicose aumentada colocam em
risco tanto a própria saúde com o a do bebê. Estudos mostram que elevadas quantidades de insulina circulantes durante a gestação pode acarretar em
problemas neurológicos para o bebê futuramente. Gestantes que gripam também elevam as chances do(a) filho(a) desenvolver esquizofrenia durante a adolescência. Cuidados com a pressão arterial também são fundamentais para se evitar a pré-eclâmpsia. O ganho de peso deverá ser adequado e mulheres que engravidam acima do peso devem ter cuidado redobrado. O consumo de chás deverá ser bastante cauteloso pois, o que parece inofensivo, pode favorecer aborto. Cuidado redobrado com canela, cravo, açafrão, grão de linhaça, alecrim, dentre outros pois favorecem
sangramentos. Refrigerantes, temperos industrializados, frituras e demais gorduras saturadas também não deverão ser ingeridos. Álcool não deverá
ser consumido desde o início da programação metabólica da gestante e essa abstinência deverá perdurar durante toda a fase de amamentação. O
consumo de água é de suma importância. Existem estudos mostrando que o líquido amniótico tem o sabor alterado de acordo com o que a mãe
come. Assim, uma gestante que está acostumada a uma alimentação saudável, terá menos dificuldades para a introdução de alimentos ao seu bebê que aceitará esses alimentos com muito mais facilidade, na época da introdução dos mesmos. É como se ele já estivesse “familiarizado” com aquele sabor. Hoje, a nutrição funcional trabalha com formulações personalizadas, onde é suplementado somente o que é necessário e na dose necessária, diferentemente de complexos vitamínicos comercializados no mercado, com as mesmas dosagens para todos, sem levar em conta a individualidade.
Para aquelas pessoas que conseguem programar a gestação, o interessante é que o casal faça o que costumamos chamar de programação metabólica
da gestante, em que conseguimos minimizar de forma significativa, a ocorrência de doenças metabólicas no bebê (diabetes, pressão alta, obesidade, disfunções tireoideanas, etc), desde que ele mantenha hábitos de vida saudáveis. Essa programação consiste em fazer um trabalho com o casal 6 meses antes de se iniciarem as tentativas de concepção, de forma a corrigir neles as possíveis deficiências de nutrientes. Assim, haverá um
espermatozóide e um óvulo bem nutrido, com boa qualidade. Hoje sabemos que temos nutrientes envolvidos na quantidade e mobilidade dos
espermatozóides, desequilíbrios de vitaminas que favorecem os enjôos, vitaminas que evitam má formação do bebê, etc. Uma vez gestante, o
acompanhamento continua mensalmente, não só da alimentação mas também da necessidade de suplementação. O parto normal deve ser sempre
encorajado pois fará toda a diferença na flora intestinal do bebê e isso irá repercutir por toda a vida. Após o nascimento, o aleitamento materno
deverá ser exclusivo por 6 meses, a fim de se evitar alterações no sistema imunológico (infecções de repetição e processos alérgicos). A introdução
de alimentos deverá ser iniciada a partir do sexto mês e irá até os dois anos de idade, de forma gradativa, iniciando com alimentos menos alergênicos
até mais alergênicos, verificando sempre a tolerância do bebê / criança. Crianças portadoras de hiperatividade e déficit de atenção, na sua maioria,
nasceram de parto cesáreo e não foram amamentadas exclusivamente até o sexto mês. O mesmo se obseva em muitos pacientes alérgicos e
portadores de doenças auto-imunes.
Redação: A longo prazo, quais são os benefícios de uma alimentação vegetariana para o organismo?
A longo prazo, quais são os benefícios de uma alimentação vegetariana para o org
Gláucia: É comum encontrar pessoas que se dizem vegetarianas mas que, na verdade não consomem carne e também não tem o hábito de consumir vegetais. Comumente é possível ver essas pessoas ingerindo grande
quantidade de alimentos gordurosos, quantidades extremamente grandes de leite e derivados, em especial de queijos gordurosos, como a mussarella, alegando que precisam “repor” a proteína da carne que não consomem.
Sem contar aquelas que são frequentadoras assíduas de fast foods. Nesses casos é possível ver um aumento de peso progressivo, acompanhando de alterações na pressão arterial, glicemia elevada, sobrecarga nas articulações, etc. Essas pessoas deveriam ser classificadas como “não consumidoras de carne” e não como “vegetarianas”. Para ser vegetariano é necessário que haja um bom consumo de vegetais, sob forma de verduras, frutas, legumes e cereais integrais pois todos esses alimentos contém substâncias chamadas fitoquímicos, que farão toda a diferença no metabolismo. A oferta aumentada de fibras favorece o funcionamento do intestino, a desintoxicação hepática, a saciedade, o melhor controle da glicose e da insulina, além de diminuir a sobrecarga renal, aliviando o trabalho dos rins. Como a oferta de nutrientes é maior nesses alimentos, a disposição melhora bastante, assim como a qualidade do sono.
Gláucia Hübner Gonçalves
Nutricionista pela UFOP
Especialização em Nutrição Clínica pela Faculdade São Camilo
Pós Graduanda em Nutrição Clínica Funcional pela UNICSUL
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